sexta-feira, 21 de novembro de 2008

CICLOS



Foi no ano de 1986 que eu, um minúsculo pinheiro, fui comprado e plantado em um pequeno jardim na praia do Laranjal.
A princípio não havia exigência nenhuma, pois era muito novinho. Não tinha que fazer nada. Nem dar sombra, nem abrigar pássaros ou outros animais.
Como o funcionamento de todo ser em desenvolvimento, a princípio, parece ser o mesmo, só tinha que crescer descobrir o mundo, me deixar descobrir pelos outros, experimentar possibilidades, encantar-me com as descobertas que abrem inúmeras possibilidades a serem vivenciadas, mas que ao serem escolhidas, de imediato, excluem outras. Não deveria ser assim, pois o sol não exclui a lua nem as estrelas, o dia não exclui a noite e ambos aceitam a chuva e os ventos, fugindo da rotina e aceitando as mudanças que com eles advêm. Generosamente, dividem espaços, olhares, encantamentos daqueles que tem olhos de ver, coração à flor da pele e alma cigana que é capaz de estar em todo lugar, que não tem território próprio porque todo território é seu.
Foi possível crescer em várias direções; para o alto buscando o céu, para o lado espalhando galhos que são braços, que protegem e abraçam de maneira carinhosa e acolhedora, para baixo fincando fortes raízes que se firmam dando suporte a tudo aquilo que está acima da terra e abaixo do céu (ou além dele), à vista dos olhos, ao alcance do olfato apurado capaz de distinguir cheiro de chuva molhada, de fruto maduro, de flor desabrochando, de ouvir o canto do sabiá, do bem-te-vi e do beija-flor que plana no ar, leve como os pensamentos inocentes e puros das crianças.

Toda a existência cresci dentro daquilo que era esperado, proporcionando segurança, proteção, aconchego, alegria, sombra sob a qual repousaram corpos cansados e mentes sonhadoras que ali, a meus pés arquitetaram idéias, sonhos que ganharam o mundo em cada tentativa desafiadora ou conquista obtida.
Os espinhos cutucaram (é para isto que servem, para desinquietarem, despertarem) cumprindo seu papel, mas também tiveram anjos que abençoaram, braços e abraços repletos de ternura e de alegria com os balanços das crianças que sustentei fortemente em todos os verões quando alegres brincavam ao redor, penduravam cadeiras ou simples cordas para se balançarem ou, ainda, quando com suas pernas frágeis tentavam nos braços subirem para ver o mundo mais além.
Estes mesmos braços carregaram pacotes e luzes que alegraram e iluminaram muitos Natais.

Apesar de não ser mais criança, de ter assumido proporções de um gigante, a dúvida, o questionamento (que é a mola propulsora de quem não se conforma com as frases feitas, os cenários estanques, os sentimentos enquadrados em moldes pré-determinados e com o futuro sendo resultado de uma imutável operação matemática) começaram a me assaltar, pois o fato de crescer demais começou a inquietar, a perturbar e a gerar desconforto.

É necessário ter o olhar bem mais além da linha do horizonte, querendo sempre transpor barreiras, desafiando o já dito e questionando o costume, a norma, o construído, o sentido (nas entrelinhas, no visível e no não dito, em outros dizeres que permeiam o caminho e que podem se constituir em novos saberes) criando novos desafios e novos espaços de experimentação. Este percurso pode mostrar o medo, instalar a dúvida do caminho a ser trilhado, desejando retornar a territórios conhecidos, identificados que apresentam características de normalidade, de estabilidade, de segurança, numa total contradição entre a segurança do conhecido e as inúmeras perspectivas do inexplorado.

A experimentação, o desafio do novo significa a janela que mostra novos horizontes e o caminho para experimentar novos modos de vida, que poderão até não se constituírem naquilo que é esperado, ou no vislumbrado, mas que servirão para isto mesmo, mostrar o que vale a pena.
Nesta etapa do percurso intensificam-se as dúvidas, as incertezas, face à internalização dos conceitos que constituíram o sujeito e a vontade de arriscar-se para descobrir novos ensinamentos, novas finalidades, não ignorando durante a trajetória a presença constante de um superego controlador ou a culpa por abandonar velhos paradigmas que representam ensinamentos aprendidos como dogmas, mas que nos dias de hoje já não possuem o mesmo significado.

Afinal, crianças crescem, adultos envelhecem a vida muda, as pessoas e os espaços são modificados. Todos morrem só que em momentos diferentes, cada um há seu tempo, quando seu ciclo termina
Em virtude disto nesta trajetória-espaço,tempo- de ser e não ser, de subir e chegar às nuvens ao mesmo tempo em que aprofunda raízes, de crescer e se deixar podar, de viver e de morrer, de ser árvore frondosa ou rio que corre e não deita raízes, nos tornamos capazes de (mesmo com o coração partido, a seiva a sangrar) deixar-se cortar para em cada labareda da chama da vida ou do fogo ardente e gélido da morte que acompanha o homem por toda a eternidade , esquentar os corações, virar fumaça que sobe para voltar em gotas de chuva que regam as sementes que tornarão a brotar num ciclo interminável de vida, doação, morte e renascimento.
Enquanto isto, outro tipo de raiz, não aquela plantada no solo, mas a que plantamos no coração daqueles que servimos permanece viva, nutrindo o espírito que se eleva por entre as nuvens, as quais agora vemos de outra dimensão.